terça-feira, 19 de junho de 2018

Bugio






 Bugio pode significar várias coisas, desde uma espécie de símio a engenho de barcos que serve para puxar e a peixe –bugio marinho- também chamado quimera… Quimera parece ser este desafio absurdo que teima isolado,e sem defesa desafiar a bravura implacável do mar. 




A verdade é estar aqui, vai em quatro séculos, o Forte de S. Lourenço da Cabeça Seca ou Torre do Bugio, subido ao ilhéu que além da muralha terá mais três palmos de rocha.
 O ilhéu do Bugio, a Cabeça Seca, é prolongamento da ponta do cabedelo, grande areal que desenha em ângulo agudo o sul da barra do Tejo e se estende s leste pela praia da Trafaria e a sudeste pela longa Costa de Caparica – cerca de milha e meia a noroeste fica a poderosa Fortaleza de S. Julião da Barra, com a qual combinava fogo artilheiro o Forte do Bugio e um galeão por aqui estacionado, quando se pressentiam ameaças. E não foram poucas. 
  Os cachopos que fazem tão perigosa a entrada do Tejo dividem a linha entre as duas fortalezas nos canais da Barra Grande e da Barra Pequena, por onde só se atrevem pilotos bem experimentados.
 Do Bugio à ponta do Cabedelo uma língua de areia permitia, há algumas dezenas de anos, passagem a pé enxuto a quem da Trafaria vencia a larga distância para participar nas missas dominicais na capela do forte – desapareceu o delgado istmo, mantêm-se fundos baixos, na capela degradada já não se celebra missa. 
 Tão evidente dádiva providencial terá desde recuados tempos despertado desejos, de quem zelava pela defesa do Tejo e de Lisboa, de levantar no ilhéu obra militar.
 Aventurou-se por fim D. Sebastião, que aqui mandou construir uma torre de madeira – quimera sobre quimera, de esperar em tal monarca. Anos depois, 1586, começaria a obra de pedraria sob desenho e direcção de Frei Giovanni Vicenzo Casabe, padre da Ordem dos Servos de Santa Maria, dedicado à arquitectura.
 Compreendia-se, nesses primeiros anos da monarquia dualista, os cuidados postos na defesa da costa portuguesa e particularmente do porto de Lisboa, pelo estado de guerra entre Inglaterra e Espanha.
Em 1585 a esquadra inglesa comandada por Drake assolara o Algarve, e três anos depois de iniciada a nova fase da obra do Bugio viria outra esquadra, com o mesmo almirante-corsário, colaborar com forças luso-britânicas de D. António, Prior do Crato, na desastrada tentativa de conquistar Lisboa. Demorava a dificultosa obra: morto Frei Casale tomou dela conta Leonardo Torriano e o engenheiro António Simões. 



D. João IV mandaria depois recomeçar a edificação com projecto final de outro freire-arquitecto, o beneditino João Torriano, mas só um ano após a morte do Rei Restaurador seria terminada, ao que parece por Luís António de Meneses, conde de Cantanhede e futuro marquês de Marialva – um dos grandes generais da Guerra da Restauração e promotor da fortificação da foz do Tejo, quando governador da praça de Cascais.
 Revela influência do renascimento italiano esta bela Fortaleza de S. Lourenço, valioso elemento do panorama magnífico do qual também desfruta singularmente. Uma base circular sobre todo o ilhéu defendida por muralha parcialmente rampeada a quebrar violências da rebentação, espécie de baixa barbacã; em coroa circular, o amplo terreiro constituía a primeira linha de fogo, plataforma da bateria rasante. 

Eleva-se ao centro a Torre –planta também de coroa circular-, poderoso tambor admiravalmente desenhado, pouco aberto de janelas na face exterior; no cilindro interior as portas e janelas das 21 dependências davam para a praça de armas em cujo centro se edificou mais tarde o farol. Ao cimo, a coroa do eirado, a bateria alta, de elegantes guaritas cupuladas, tem o parapeito elevado sobre uma cornija bem saliente suportada por mísulas que sobremaneira enriquecem a arquitectura do monumento.


 Repetidas tragédias marítimas nesta barra impuseram a instalação do farol em 1758, ligando-se ao eirado da bateria alta por pontes de cantaria. Nesse mesmo ano, quando a Torre do Bugio começava a iluminar-se, encerravam-se no forte presos supostamente envolvidos no atentado a D. José I, e alguns seus familiares pelo simples facto de o serem. Enquanto durou a governação do Marquês de Pombal, serviu o forte de prisão política, tal como outras fortalezas espalhadas pelo País.




 Com pertinácia o mar não desiste de desmoronar o Forte de S. Lourenço. Enrocamentos feitos para proteger a muralha têm sido desmantelados por temporais e obras recentes foram suspensas e o próprio material abandonado. Com o moderno sistema automático, já nem os faroleiros aqui habitam. 
Morrerá a quimera? Impõe-se e urge a salvação
 Os Mais Belos Castelos de Portugal (Texto) Edições Verbo







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